terça-feira, 16 de setembro de 2008

Sobre as rosas que não florescem

De repente me peguei sentindo saudade.

A minha vó foi uma grande e linda mulher.

Ela tinha maravilhosas unhas compridas e vermelhas que me encantaram desde sempre. Acho que foi com ela que aprendi a ser feminina. Quando eu ainda era bem pequena olhava admirada pra a sua penteadeira : um verdadeiro arsenal de misteriosos e indecifráveis cremes e perfumes que eu sonhava um dia usar... Mas ali era um território proibido para mim, mera "aspirante" a mulher. Cresci espiando aquele tesouro, que durou anos... Depois os cremes se empoeiraram, veio o Alzheimer, fizeram uma reforma e eu já não soube mais que destino teve a sua penteadeira (que mesmo sem os cremes, era um móvel lindo). Ainda assim, segui fascinada por sua capacidade de se manter linda e cheirosa, apesar de tudo.

Ela também foi uma ótima dona de casa, embora não cozinhasse muito bem. A sua casa tinha longas e lustrosas calçadas vermelhas que ela encerava com um cuidado admirável. Gostaria muito de ter herdado a sua organização e dedicação com a casa. Confesso que continuo sem saber como manter unhas e casas igualmente impecáveis!?!


E o jardim!? As calçadas vermelhas circundavam um jardim digno de cinema. Ela era apaixonada por rosas e durante muito tempo tentou, sem sucesso, manter vivas roseiras amarelas que ela plantava no quintal. Mas não teve jeito. As roseiras vermelhas, cor-de-rosa, brancas, todas cresciam e exibiam vivas e saltitantes rosas de todas as cores, enquanto as amarelas minguavam, murchas...

Depois de um tempo, o olhar admirado trocou de direção. Ela me contemplava mulher. Gostava das minhas escolhas: roupas, cabelo, livros, profissão. Eu sempre a surpreendi com pequenos detalhes que só ela era capaz de notar. Também era fácil presenteá-la. Bastava comprar pra ela algo que eu gostasse muito. Era muita afinidade e fico feliz de ter proporcionado leves distrações no finalzinho de sua vida. Um dia, foi capaz de ficar hipnotizada com um grampo de cabelo cheio de brilho que eu usava... Lindo.

Hoje sinto saudades. Duas Marias, mulheres, sensíveis, femininas... Acho que tínhamos mesmo muita coisa em comum (além do puxadinho no canto do olho).

A morte da minha vó foi lenta e dolorosa. A cada olhar perdido, cada nome não reconhecido, cada face incógnita demos um doloroso e inevitável adeus. Assim mesmo ela foi capaz de me mostrar o quanto genuíno e puro era o seu amor por mim. Quando já não me reconhecia mais, cada visita tinha o mesmo ritual: primeiro aquele olhar confuso, depois um leve sorriso e em seguida um "primeiro" elogio admirado. Um elogio terno, amoroso, gostoso demais de se ouvir. Acho que é por isso que ainda guardo no armário o vestido verde que ela tanto gostou.

No seu enterro levei rosas amarelas e música. A música, para ela, que um dia me pediu. Ninguém se opôs e o último adeus teve trilha sonora. Já as rosas amarelas, confesso, eram pra mim. Representavam o meu desejo profundo de que a vida tivesse poupado minha vó desta e de outras frustrações. Sua vida foi muito dura. Mas foi assim, com s
eu jeito feminino e cuidadoso de viver que ela me mostrou que beleza e delicadeza podem tornar tudo mais leve.

Espero continuar parecida com ela quando envelhecer... Ser amiga do tempo, amar as minhas rugas e aprender enfeitá-las como quem exibe orgulhosa as cicatrizes de uma dolorosa batalha. Desejo a sabedoria de quem me ensinou, um dia, que um jardim continua naturalmente belo mesmo que algumas rosas teimem em não florescer...

13 comentários:

Unknown disse...

Que coisa mais linda a sua crônica, Ciça...Tanta emoção, tanta vivacidade! Eu pude ver direitinho as unhas vermelhas, a penteadeira com os cremes, o jardim, o grampo brilhante...Tenho certeza de que você, mais uma vez, agradou e surpreendeu a sua avó, lá no outro plano, e ela, mais uma vez, sorriu e te fez um elogio sincero.
Beijos,
Flavia

Camila disse...

Ciça! Me emocionou a pureza de suas palavras!! Que pensamentos sinceros, de ternura e admiração!

Anônimo disse...

Ciça amei o seu texto, liindo ! Virei "vê-la" mais vezes aqui pq amo observar quem tem essa maravilhosa capacidade de expressar os sentimentos em palavras...Bjão.

Anônimo disse...

Lindo texto...linda vó...
Tb espero q vc continue como ela...sabendo q nem tudo é primavera né? Beijos...

Eliseu disse...

Ci, s� li agora... e entendi porque s� agora... quando voce me falou estava no meio de um tumulto, e para poder sentir as palavras como o texto merece, teria que ser como estou no momento e para resumir o que sinti, s� posso falar uma coisa: "S� agora eu chorei pela morte dela" voc� sabe do que eu to falando, beijos TE AMO! Pai e Filho.

Silvia Maria disse...

Ciça, adorei como suas palavras aqueceram meu coração nesta sexta feira super gelada. Acho que tivemos a mesma avó, como é bom lembrar das coisas boas das nossas vidas. As rosas, as unhas, o cheiro da minha avó é muito bom se recordar e chorar de saudade de tempo tão puro e lindo que ninguem vai poder tirar da gente....!!!!

Unknown disse...

Ciça...li e gostei muito.
Vc deveria escrever sempre, pois assim podemos sentir um pouquinho mais a menina Ciça e as coisas que passam no seu coração, e não só aquela mulher forte que vc representa. A vó Maria deixou saudades, queria ter tido mais tempo junto dela, uma mulher admirável e cheia de qualidades assim como vc é.
Gde abraço.
Josi.

Anônimo disse...

Mari...
Teu pai falou do texto na hr do almoço...simplesmente, to com os olhos cheios de lágrimas, doeu lá no fundo ler isso...eu sinto mto a falta dela, vc não imagina o quanto!!! Nunca consegui aceitar que ela tava doente daquele jeito...era mto dolorido ver alguém q sempre fez td por tds, dependendo inteiramente de nós!!! Mas Deus tem o tempo certo pra td acontecer...e Ele sabe como fazer as coisas!!!
Belas as suas palavras...
Fiquem com Deus....bjooo

Anônimo disse...

Porventura acabei de descobrir sentimentos que estavam cobertos no escuro, sentimentos que não eram expostos.
Sem querer descobri a arte presente, uma poetisa, uma linda poetisa que eu não conhecia.

Anônimo disse...

Ci,
... é verdadeiro, lindo e emocionante...
o texto revela o quanto você amava e admirava sua avó. Eu várias vezes ouvi de vc e muitas disse para a vó Maria: a Ciça "vive" dizendo:
"... quando eu crescer quero ser igualzinha a minha avó, vó Maria..." Ela sabia que vc a admirava... e eu tenho certeza era recíproco...
É, duas Marias, lindas Marias...
Te amo

Jani disse...

oi Ciça, querida!
Não pude deixar de vir espiar o teu blog e como já era previsto, não me surpreendi com o que li aqui Apenas confirmei a tua incrivel capacidade de expressar através de palavras o que pensas/sentes. Adorei encontrar palavras tão lindas, sinceras e que emocionam a gente! Linda a relação entre vc e tua vó! Com toda certeza "Duas Marias, mulheres, sensíveis, femininas..."

Beijinhos

NiNe disse...

Ciça qrida...
So hoje li a sua cronica sobre sua vozinha...
Q lindo... me emocionei muito em ver tamanho amor...
Com certeza ela esta sempre pertinho de vc te guiando e elogiando suas escolhas
Bjoes no seu coração

Robson Pinheiro disse...

Oi Ciça

Agora eu posso escrever sobre o seu post com alguma consciência. Adorei o seu jeito de falar da sua vó. Que expressão de amor, que delicadeza. Isso me fez pensar que não tive a dádiva de conhecer minhas avós. Nem um avô amoroso, pois o pai de minha mãe nunca foi um exemplo de pessoa próxima. Mas me senti bem ao ler o que vc escreveu. Foi como se eu visse a sua vozinha e, nesse momento,ela também fosse um pouquinho minha. Muito obrigado por me dar essa oportunidade!!

E que ela possa ter recebido com carinho suas rosas amarelas onde ela está.

Beijo
Robson